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Defender a sua integridade é preservar a sua dignidade

O primeiro e último adversário de um verdadeiro guerreiro é o seu próprio Ego

 

A origem e historia do Kempo

Nos velhos tempos, nas ilhas de Ryukyu, Kempo era simplesmente denominado de Okinawa-te (te: mão, e portanto: forma de lutar de Okinawa) ou de Tote (a mão espetacular). E desta forma as escolas foram denominadas de Te: Naha-te, Shuri-te e Tomari-te. Com as repressões japonesas e a proibição do uso de armas, os ensinamentos eram feitos em secreto e todas as escolas faziam um juramente de nunca ensinar para estranhos as suas técnicas de luta e defesa. Se alguém amostrasse aos japoneses seus conhecimentos, ele era morto. O traidor era levado de barco para bem longe no oceano, a sua pele era cortada e ele era jogado sangrando no mar. Os mares à volta de Okinawa são infestados de tubarões.

Os samurais japoneses na época eram excelentes guerreiros e espadachins e derrota-los numa luta frontal era muito difícil, mas mesmo assim os habitantes de Okinawa tentavam de tudo para conseguir tal façanha. Disto surgiram técnicas denominadas de: „matar com um soco". Mesmo em competições e treinos entre rivais sempre se tinha casualidades, ferimentos e mortes. Nós não podemos esquecer que fora dos samurais da época serem muito experientes e excelentes espadachins, eles usavam armaduras, e a arte era, com um soco ou golpe, atravessar a armadura e matar o guerreiro.

Os treinos duros visavam fortalecer braços e pernas, pois somente com um bom físico e técnicas imprevisíveis era capaz de penetrar através das armaduras dos samurais.

Basicamente se utilizavam técnicas chinesas, modificando-as para adapta-las as necessidades locais. Muitos alunos treinavam socando e enfiando os dedos numa balde cheios de feijão até os dedos começarem a sangrar e ficarem incessíveis a dor. Tal fortalecimento dos dedos deu origem aos golpes de ponta de dedos denominados Kansu.

Os punhos eram treinados socando feixes de palha de arroz (os Makiwara). Depois se treinava socando um saco cheio de feijão, depois deste treino se socava contra uma madeira, depois contra pedras e por fim contra granito ou ferro. Tais treinos visavam endurecer a mão e faze-la incessível a dor.

O que nunca devemos esquecer ao ouvirmos estes relatórios é que na época, tais exercícios e fortalecimento dos punhos e dedos eram essenciais para a sobrevivência. Hoje em dia tais exercícios não são mais necessários e até prejudiciais para o trabalho e a profissão da maioria de nós, pois esses exercícios insensibilizam o tato destruindo os nervos da pele.

Na época se treinava para sobreviver, e o corpo inteiro era fortalecido e endurecido. Calcula-se que na época um soco tinhauma potencia de mais do que 700 Kg por cm quadrados e um chute chegava a uma tonelada.

Para fortalecer os punhos se usava um tipo de martelo feitos de pedra com cabo de madeira (os Chikaraishi). No lugar das pedras se usavam também anéis chineses de ferro (os Chashi) com pesos que variam entre 5 a 25 Kg.

Para fortalecer os dedos se utilizava um cabo no qual estava pendurado um peso (os Makiagegu). O objetivo era torcer o cabo com a força dos punhos, assim enrolando a corda no cabo e levantando o peso.

Em algumas escolas se treinava a garra da águia. Os alunos levantavam jarros cheios de arreia, feijão ou pedras. Os jarros eram levantados e rodados utilizando somente a força dos punhos e dos dedos. Estes exercícios (denominados de Tanren) não eram novidade no mundo do kempo, mas faziam parte dos treinamentos de todas as escolas de Okinawa.

O treino do Te de Okinawa envolvia também o aperfeiçoamento do uso das mais diversas armas. Por causa da proibição do uso da arma, a arma principal do camponês contra os samurais era o bastão. Uma arma que mostrou ser muito eficaz tanto em Okinawa como na China, Coréia e Japão. O tamanho do bastão variava.

Importante é ressaltar que os bastões eram feitos de uma madeira bem resistente (Rokushaku bo) e pesada. O golpe com o bastão tinha que ser potente suficiente para atravessar as armaduras dos samurais e resistir aos golpes das catanas usadas pelos samurais.

É interessante lembrar que Miyamoto Musashi, um dos maiores espadachins (um Roni) japoneses, no começo de sua carreira como Roni e no fim dela utilizou espadas feitas de madeira de ferro.

O bastão longo tinha um comprimento de 1,82 metros (a altura média das pessoas na época era de 1,55 metros). Existem uma inúmera quantidade de seqüências (kata) com o bastão longo. Elas todas têm um em comum, a coordenação de golpes e chute, o uso do bastão para se poder aproximar ao agressor e finalizar a luta com um golpe mortal (soco ou chute).

O nome da maioria dos Katas atualmente existentes se compõe do nome de seu fundador mais a palavra –kon (bastão): Sagugawakon, ou Komegawakon.

A segunda variação do bastão era o simples cajado (Yawarajo). Um pedaço de madeira bem pesada de uns 55 cm de comprimento. Em muitos casos se acrescentava uma ponta de metal (também muito utilizado nas Filipinas, com a diferença que nas Filipinas os bastões eram mais leves e mais longos). O objetivo do bastão curto era chegar a distancia do In Fighting, bem próximo ao adversário e com um golpe terminar a luta.

Do uso do bastão se desenvolveu o Nunchaku. Nos dias atuais, o Nunchaku adquiriu muito fama através dos filmes de Bruce Lee. O Nunchaku atual é feito de dois pedaços de madeira de uns 30 cm, ou de outros materiais, conectados por uma corda ou corrente. Tal tamanho pequeno proporciona belas apresentações artísticas, mas infelizmente perde muito de sua eficaz original. (Para todos aqueles que duvidam, eu recomendo olhar os vídeos dos Dog Brother em Califórnia, nos Estados Unidos, onde é demonstrada a ineficaz do Nunchaku contra o bastão).

Em Okinawa o Nunchaku era bem mais longo, pois ele era usado como arma de distancia, simplesmente prolongando surpreendentemente o tamanho do bastão curto. Ao confrontar um samurai que sabia usar a espada (catana), não se tinha tempo para fazer arte e malabarismo.

Outra arma muito usada pelos camponeses era a alavanca utilizada para rodar as pedras do engenho, o Tonfa ou Tuifa. O Tonfa foi muitas vezes usado em combinação com outras armas, pois ele era excelente para bloquear golpes de espada e fortalecer numa posição natural o antebraço, possibilitando usar em conseqüência o cotovelo e o punho, que nem nas técnicas do estilo Louva Deus (Talanquan).

Outra arma muito eficaz era o Kama que se desenvolveu naturalmente da foice dos camponeses e cultivadores de arroz. O uso da foice como arma natural iremos encontrar em vários continentes, inclusive na Europa, entre os bardos e druidas keltas, e muitos assassinos. No Japão era uma arma apreciada pelos Ninjas, podia ser usada como bastão, como faca ou picareta. Muitas Kamas tinham ainda uma ponta de ferroafiada em seu topo.

Outra arma era o Sai (Vajra). A sua mais velha forma se encontra na velha Índia onde era usado como arma Hinduísta e depois Budista para espantar os demônios. Em tais culturas o Vajra representava a trindade divina, Brahma (o criador), Vishnu (o preservador, com sua aparência tripla: Rama, Krishna e Vishnu) e Shiva (o transformador e destruidor em sua forma ativa como Nataraj). O Vajra era denominado de „Espada da sabedoria."

Não se sabe com certeza a origem do Sai como arma de defesa. O que se sabe que ele foi muito utilizado em Okinawa. O sai era utilizado para amparar os golpes de espada e

posteriormente quebrar a espada ou desarmar o samurai usando-o como alavanca. Nos velhos tempos o Sai era bem mais pesado do que atualmente e as suas pontas eram afiadas. Uma arma parecida com o sai era o punhal curto dos soldados europeus nos séc 11 a 18.

O punhal curto, era utilizado para amparar golpes e com as pontas laterais se prendia a espada do adversário enquanto se golpeava com a própria espada longa.

Muitas outras armas foram desenvolvidas, a maioria delas conforme a individualidade do guerreiro. Muitas das armas hoje vendidas são mais para enfeite e para fazer shows e demonstrações do que realmente para serem utilizadas em uma luta de vida ou morte. A realidade mudou, o mundo mudou. Hoje não mais se vai a guerra de espada, lança e escudo, e sim, de tanque de guerra, mísseis, metralhadoras. Portanto, as armas tradicionais viraram esporte. Isto é muito importante ter sempre em mente quando treinamos com arama compradas no mercado. Se você realmente quer treinar com uma arma tradicional, você terá que faze-la ou encomenda-la. A arma tem que ser feita para você e para o seu propósito.

Nos fins do séc. 18, com a diminuição das lutas por independência e a integração de Okinawa ao Japão e o intercâmbio comercial e cultural entre os dois, os estilos de luta (kempo) deixaram de ser mantidos secretos e começaram a serem oficializados.

O primeiro registro de uma escola foi a escola „Karate-no Sakugawa" do mestre Sakugawa de Akata em 1722 na montanha Shuri.

Até o séc 20, em Okinawa se utilizava a palavra Karate como: Kara = a Grande China, a China durante o período da dinastia Tang; e Te = mão, luta livre. Foi sensei Funakoshi Gichin que substituiu o velho símbolo por um novo dando a palavra Kara o significado de „vazio ou céu".

Hoje em dia existe uma grande quantidade de escolas e estilos de Kempo, tanto em Okinawa com espalhados pelo mundo interiro. Sua propagação international devemos agradecer aos americanos que nos anos 30 e mais tarde nos anos 50 propagaram esta maravilhosa arte.

O que nunca devemos esquecer, que nos velhos tempos kempo e religião iam mão em mão. Todas as grandes escolas tanto no Japão como no continente asiático tinham uma profunda ligação com uma crença e a religião.

Hoje em dia se tornou chique (moda) desmistificar a crença, racionalizar todo o tipo de interpretação do mundo, de nossos sentimentos, angústias e desejos. A ética e o bom senso foram substituídos por leis racionais e Kempo virou esporte, competição, uma forma de tentar amostrar e provar sua superioridade sobre outros. De tanto raciocino muitos perderam seu respeito pelo divino, pela vida e pelo próximo. Ser o primeiro virou a coisa mais importante e com essa mentalidade se ganha hoje (a qualquer preço) dinheiro.

Kempo originou da necessidade de se defender contra agressores. Isso não significa ser brutal e sim conseqüente e determinado. E para podermos ser conseqüentes e ao mesmo tempo sermos capazes de esvaziar a mente e acalmar o coração para podermos perdoar aonde se pode (deve) perdoar, precisamos da ética. E ética adquirimos através da religião.

Religio significa unir a consciência individual (nós) com a consciência cósmica (Deus). São vários os caminhos (religiões), mas um o objetivo. Este profundo respeito por aquilo que nós denominamos de Deus nos possibilita tratar o próximo com o devido respeito, nos possibilita meditar e achar a nossa própria tranqüilidade e paz, e quem está em paz com sigo também está em paz com o mundo.